quinta-feira, 28 de maio de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 34

Alguns dias atrás fiz um comentário entre colegas, a respeito do nível cultural das pessoas mais jovens, nesses dias que correm. É absolutamente impressionante a quantidade de informações que está disponível atualmente, e também impressiona a facilidade que qualquer um tem para acessar essas informações. O Google taí que não me deixa mentir (ou pelo menos faltar um tantinho com a verdade). Uma única palavra digitada no campo de busca, um mísero clique, e milhares de páginas são disponibilizadas, abrangendo uma infinidade de variações sobre o mesmo tema. É claro que sempre tem um senão: há um número muito significativo de pessoas que está abaixo da linha da pobreza no que tange ao acesso à internet. Por isso somos bombardeados tão freqüentemente, pelos meios de comunicação, com termos como “inclusão digital”, que vem à reboque do básico “inclusão social”. Mas não é sobre isso que quero falar neste momento. O que eu quero falar já é, de certa forma, de domínio público. É simples: apesar do volume de informações disponível, da possibilidade de pesquisar quase que indefinidamente qualquer tema que nos venha à cabeça, do alcance imediato a praticamente qualquer esfera do conhecimento humano, parece-me que isso tudo não influenciou positivamente a cabeça dos usuários. É claro que volume não representa necessariamente qualidade. Ao olhar para a tela do computador, acessando a internet, tenho a sensação descrita por Caetano Veloso na música “Alegria, alegria” (diante de uma banca de jornal abarrotada de revistas): quem lê tanta notícia? Ninguém lê, com certeza, mas isso não vale como um bom argumento diante da neurose de leitores obcecados como eu. A internet veio para alterar o mundo, mas a sua influência não chegou ao ponto de provocar uma revolução no nível cultural da população. Às vezes me sinto como parte de uma distopia, ou uma antiutopia, inserido em um futuro que contrariou os vaticínios utópicos dos videntes do passado. Aliás, isso me lembra de perguntar: você sabe o que é um evidente? Pois bem, é um vidente virtual, eletrônico, um e-vidente. Evidente! E distopia (o contrário de utopia) me remete a George Orwell, que escreveu um livro descrevendo uma sociedade com características francamente antiutópicas: 1.984. Uma curiosidade: sempre me perguntei o porquê desse ano específico no título desse famosíssimo e aclamado livro. E só há bem pouco tempo soube que se deve apenas à inversão dos dois últimos dígitos do ano em que o livro foi escrito: 1.948. Talvez você não conheça esse detalhe, e talvez nem mesmo você tenha ouvido falar do livro ou do seu autor. Mas foi nesse livro que surgiu a figura emblemática do “Grande Irmão”, em inglês o tal “Big Brother”. O autor projetou para o futuro uma sociedade totalitária, sem democracia, sem livre manifestação, sem a livre participação dos indivíduos. Sem liberdade. Uma ditadura extremada, enfim. Algo como, nos dias de hoje, a Coréia do Norte. Ou seja, bem longe de qualquer ideal utópico (a não ser para aqueles que se imaginam como “líderes” de uma sociedade oprimida até o limite da exaustão). E o papel do “Big Brother” era o da eterna vigília sobre todos os cidadãos, devassando suas vidas, de maneira que ninguém tivesse direito à privacidade. Assim todos seriam anulados, reduzidos à mera massa de manobra. O dispositivo que permitia essa invasão era a Teletela, nome inventado pela Novilíngua, uma língua nova, forjada pelos detentores do poder, que tinha como principal característica impedir a expressão de qualquer tipo de opinião que fosse contrária ao regime estabelecido. E a Teletela funcionava como as câmeras modernas instaladas aos montes nos domínios físicos do programa homônimo da Rede Globo. Com uma distinção: possibilitava ver e ser visto ao mesmo tempo. Como se fosse um aparelho de TV que fosse também uma câmera. E o nome “Big Brother”, originado no livro, caiu como uma luva para esses programas de reality show, que funcionam mesmo como show (de categoria muito discutível), mas que passam bem longe da reality. Tudo bem, não é um programa educativo, e nem tem a função de ser sério ou formal. É apenas show, feito para entretenimento, para que os telespectadores possam se sentir como se tivessem encarnado na pele do “Grande Irmão”: veem o quanto querem, devassam a intimidade alheia (apoiados na tendência universal para o voyeurismo: quem não gosta de olhar pelo buraco da fechadura?), e opinam sobre o futuro de cada participante, decidindo o destino de cada um conforme o andar da carruagem. E é muito significativo (para compreender os tempos de hoje) que aquele livro tão sombrio tenha gerado um filhote desse gabarito: despropositado, efêmero, inconsequente e vazio. E agora me diga: quantos, dos que assistem, tem alguma noção da origem do nome (e do mote) do programa? Nos falamos.

Um comentário:

  1. Praticamente não se usa outro mecanismo de busca que não seja o Google. Lembra do Cadê, do Alta Vista, ou mesmo do Yahoo? Ainda existem, meio que esquecidos. Eles realmente têm de tudo. E tudo junto. Certo e duvidoso e errado. Lembro-me das aulas iniciais na faculdade, nas matérias exatas, onde se usava calculadora. Muitos falaram inicialmente: "Com calculadora é moleza!"
    Moleza pra quem sabe o que está fazendo!
    Tenho usado bastante a rede como fonte de pesquisa e se não haver conhecimento daquilo que se busca, corre-se o risco de se adquirir gato por lebre, tijolo por vídeo cassete (essa é velha, também!). Existem inúmeras teses e tratados falsos sobre os mais diversos temas, com folha timbrada de organizações acadêmicas reais e inexistentes.
    O triste é receber um texto técnico para publicação, escrito por pessoas formadas em nível superior, com termos do tipo "menas", "à partir de", "excessão" (não significando um excesso enorme), e por aí afora.
    Alguns chegam a me perguntar se eu sou jornalista ou advogado ao receber uma mensagem ou um texto meu! Acabo explicando que tenho formação técnica, mas adquiro muita informação e conhecimento com leitura de boa qualidade.
    É isso aí! Nos falamos e nos escrevemos.

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