quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 47

Em uma antiga entrevista, Woody Allen, o renomado cineasta novaiorquino, disse que se não fosse cineasta, gostaria de ter sido ascensorista. Após o espanto do entrevistador, ele esclareceu que preferia ter uma profissão em que não precisasse pensar tanto. Assim teria a cabeça livre para flanar à vontade, pensando sobre o que bem entendesse. Essa situação se repetiu, em outra medida, com o personagem interpretado pelo ator Kevin Spacey no filme “Beleza americana”, do diretor Sam Mendes. Depois de ter se desiludido com um emprego em um escritório, que não lhe dava prazer algum, e onde imperava, em larga escala, uma onda de hipocrisia, ao ser demitido, o personagem faz uma chantagem descarada, baseada em fatos comprometedores cometidos pelo big boss da organização. Recebe uma bolada, a título de cala-boca, e aí arranja um emprego para si como atendente no drive-thru de uma lanchonete de fast food (inclusive uniformizado, com aquelas roupas espalhafatosas típicas desse tipo de estabelecimento), onde finalmente pode trabalhar sem pensar muito. Aliás, se eu não me engano, ao ser entrevistado para o emprego, ele faz questão de se empregar como balconista, para ter o mínimo possível de responsabilidades. Ele queria se livrar daquela rede adulta de responsabilidades, retroagindo para um espírito adolescente, sem grandes decisões, sem perturbações de grande monta, limitando-se a cumprir um trabalho manual e repetitivo. Essas duas lembranças me vieram quando li a coluna “Banda Executiva” de 07/08/09, publicada na editoria de “Carreiras” do jornal Valor Econômico, e assinada pela jornalista Lucy Kellaway, colunista do “Financial Times”. O título daquela coluna era “Encerrar a carreira com um trabalho braçal é uma boa idéia”. E ali ela narrou a história de um conhecido seu que perdeu um emprego de diretor de marketing de uma empresa que vendia refeições orgânicas pela TV. Com 56 anos de idade, lá (na Inglaterra) como cá, não havia grandes perspectivas para a recolocação profissional. Então, devidamente guarnecido por uma poupança graúda que respaldou sua decisão, resolveu tentar o emprego com que sonhara quando era garoto: ser carteiro. Lucy, a colunista, ao escutar a história contada por ele, perguntou, espantada, como era aquilo. E ele respondeu “triunfantemente” (como ela mesma destacou no seu texto): “Sou carteiro e esse é melhor emprego que já tive na vida”. Mas qual a razão para essa felicidade? Simplicidade, antes de mais nada. O salário era um décimo do que ele recebia como diretor, mas ali ele tinha: um trabalho saudável, que fazia com que ele acordasse cedo para pegar no batente, e andasse pelo menos quatro horas por dia; um trabalho cordial, que fazia com que tivesse contato com um grande número de pessoas, a quem passava a conhecer; um trabalho despreocupado, já que ele chegava em casa às treze horas, e não precisava mais pensar no trabalho até o dia seguinte. Assim sua mente, como pretendia Woody Allen se fosse ascensorista, podia vagar sem pressa, despreocupadamente, se atendo com detalhes que passavam despercebidos em sua atividade anterior (na qual ele não tinha como se desligar, porque sua cabeça ficava repleta de problemas que precisavam ser solucionados, enquanto tentava fazer com que as pessoas, suas subordinadas, se ocupassem com coisas que elas não queriam fazer, enquanto ele próprio era obrigado a assumir responsabilidades por coisas que ele não conseguia mudar). Na questão braçal lembro também do ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, que tinha como hobby a construção de móveis de madeira, mas sem o emprego de parafusos ou pregos. Tudo era feito através de encaixes perfeitos e cola, nada mais. Uma ocupação braçal, apesar de detalhista e bem planejada, feita para desanuviar a cabeça, baixando a bola dos problemas do dia a dia, o que ajudava a recompor a plena força da atividade cerebral. Lembro de uma foto dele, de camisa xadrez e jardineira de jeans, participando de um mutirão de construção de casa populares (de madeira), martelo em punho e um grande sorriso escancarado no rosto. Felicidade derivada da simplicidade. Simples. Acho que este é um momento (na história da humanidade) de complicações, mais complicado do que ontem, mas menos complicado do que amanhã, porque – ilusões à parte – tudo ainda vai melhorar para muito pior. Nos falamos.

Um comentário:

  1. Que legal, estou no caminho certo: serei uma velhinha jardineira!!!

    bjks

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