quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 45

Em um filme do qual, para variar, não lembro o nome, um pai, conversando com seu filho, diz que o ideal é que o único mandamento de Deus deveria ser “não roubar”. Porque isso se aplicaria a qualquer circunstância descrita nos outros mandamentos. “Não matarás”, por exemplo, já estaria representado por “não roubar a vida do outro”, e assim todos os mandamentos seriam reduzidos a essa única forma de expressão. É claro que é um reducionismo, uma simplificação, mas não deixa de ser interessante, porque faz com que pensemos em um assunto batido, sob uma ótica diferenciada. E eu pensei sobre isso recentemente, quando avaliava o que eu considero como sendo o grande mal dos dias que correm: a indiferença. E como esse mal funciona? Vamos a um exemplo: se estou dirigindo um carro, nesse trânsito maravilhoso de São Paulo, e vejo um sujeito dirigindo displicentemente, em velocidade abaixo dos demais, com o carro flutuando entre as faixas, não há dúvida, o motorista deve estar falando ao celular. Com isso ele está passando uma mensagem aos outros motoristas: não estou me importando com vocês. Ele se sente indiferente aos outros motoristas, que são seres destituídos de humanidade, que apenas orbitam à volta da sua armadura protetora de aço, como moscas indesejáveis. Se o trânsito está devagar, quase parando, mas um motorista mais “esperto” resolve se livrar desse incômodo e trafega pelo acostamento, qual o sentimento que rege essa atitude? Indiferença. Indiferença pelas regras de trânsito (que são feitas para serem aplicadas apenas aos outros), e indiferença aos outros, que seguem as regras. É claro que o motorista quer, antes de mais nada, obter uma vantagem para si, em detrimento de todos os que estão à sua volta. Mas quando ele age dessa maneira, está apenas expondo sua indiferença. Ele não quer saber das regras que são impostas a todo mundo, e nem está avaliando conscientemente que busca ter uma vantagem indevida em relação a todos os demais motoristas. E isso é indiferença. Isso também funciona para quem não respeita os semáforos, ou quem avança sobre as faixas de pedestres, ou quem muda de faixa de rolamento sem avisar aos outros, e assim por diante. Todas são situações de descaso que, no fundo, podem ser caracterizadas como indiferença. Mas isso é muito mais abrangente. Se um político tradicional, com décadas da sua vida dedicadas ao serviço público, age como se a estrutura do governo fosse um feudo familiar, empregando filhos, esposas, sogras, netos e netas, e namorados de netas, ele está sendo o quê exatamente (além de imoral)? Está sendo indiferente. Ele está indiferente às boas normas de conduta, à moral, à ética. O fato de arrebanhar cargos e funções públicas para seus protegidos, esquecendo que o dinheiro que banca toda essa gastança não sai do seu próprio bolso, mas sim dos impostos pagos por todo o mundo, demonstra que o político é indiferente ao efeito dos seus atos. Esse comportamento, para ele, é tão arraigado, tão entranhado na sua mente coronelista e anacrônica, que ele chega até mesmo a estranhar o escarcéu que tudo isso provoca na imprensa e nas reações públicas de repúdio. Ao mesmo tempo, na outra ponta desse novelo, há uma imensidão de pessoas que não está nem aí para o que acontece nos domínios do “puder”, desde que seus caraminguás brotem todo santo mês, garantindo o sustentozinho de cada dia. Não há até mesmo aquela famosa frase, dita a respeito de mais de um político (com um ar de enfado e descrença), que “ele rouba, mas faz”? Isso não é indiferença? Votar em sujeitos (ou sujeitas) exóticos, que gritam em seus programas de propaganda eleitoral (mas sem ter nada a dizer), ou que tenham um comportamento esdrúxulo, ou que patentemente só tentam se eleger para se “arrumar”, isso tudo não é indiferença? Indiferença pelo futuro do país, indiferença pelo resultado que seus votos vão trazer. Quando alguém vota com o espírito de “tanto faz”, ele está expressando literalmente sua indiferença. E, indo mais além, a indiferença está contida em inúmeros escaninhos do nosso comportamento diário. Ou então o que significa quando alguém fura deliberadamente uma fila? Ou trata mal seus subordinados na empresa? Ou joga lixo na rua? Ou fuma em locais proibidos? Acho que a lista é interminável, comportando sempre uma novidade. Mas a correção é simples (como é simples qualquer sugestão que fazemos aos outros, sem olharmos para o nosso próprio comportamento): é só deixarmos de ser indiferentes. Não é exatamente fácil, porque requer atitude e força de vontade. Mas qualquer um pode fazer acontecer. Pode fazer a diferença. Nos falamos.

2 comentários:

  1. A indiferença pode ser, e é, mais ofensiva que um ato direto!
    Posto que não sou inderente, postei!

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  2. corrigindo:
    Posto que não sou indiferente, postei!

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