quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 19

João Ubaldo Ribeiro já disse mais de uma vez, sempre mesclando desilusão e ironia, sublinhando tudo com sua língua ferina e afiada (e ele sabe do que está falando: foi professor de Ciências Políticas na Universidade Federal da Bahia), que os políticos, depois de eleitos, na verdade fazem o que bem entendem. Durante a campanha eleitoral eles se aproximam do populacho, prometem mundos e fundos, abraçam chorosas criancinhas de colo, suam (literalmente) a camisa nos comícios, se desdobram para que possamos entender que eles serão, efetivamente, a nossa voz lá no cargo que eles exercerem. Pois bem, assim que eleitos a coisa muda de figura. E aí dá-lhe tomarem decisões que não tem nada a ver com o que prometeram, ou então começarem a tomar atitudes que não só não condizem com as propostas da campanha, mas que também batem de frente com tudo aquilo que desejamos que os eleitos façam por nós. Quantas vezes nos pegamos aturdidos com as atitudes dos políticos, perplexos com os mandos e desmandos que permeiam seus mandatos, qualquer que seja o poder que exerçam. Depois de eleitos, nós, os eleitores, passamos a ser meros detalhes para eles. Passamos a ser fantasmas que assombram seu passado, e que voltaremos a assombrá-los no futuro, quando novamente se avizinharem outras eleições. Como diria aquele antigo personagem do Chico Anysio: “O povo? Eu quero que se exploda!”. Eu tecia essas inconsequentes considerações ao ler a matéria chamada “O bê-á-bá da inspeção veicular” na Vejinha de 11/02/2009. Claro que é excelente que o governo, qualquer que seja a matiz política do governante abnegado que ocupa a cadeira no momento, tenha preocupações com o meio ambiente, com a qualidade de vida dos cidadãos, etc. E nisso está incluída, sem a menor sombra de dúvida, a questão latente da tenebrosa poluição urbana. Então só podemos parabenizar pela iniciativa que ora chega até nós: antes tarde do que nunca. Porém, e sempre há os poréns, começam os diabinhos a soprar nos nossos malfadados ouvidos (já de fato sobrecarregados pela poluição ambiental: ô diacho de cidade barulhenta!). Primeiro a questão da contratação da iniciativa privada para promover as tais inspeções. Vemos, como sempre, só a ponta do iceberg. Como será que se desenrolaram as maracutaias por baixos dos panos, às escondidas do nosso conhecimento? Muitos devem se lembrar das etiquetas que colávamos nos parabrisas à guisa de controle para o licenciamento anual dos veículos. Ou então daquelas bolsinhas de primeiros socorros, que chegaram a ser vendidas até por ambulantes em semáforos. Tudo feito com a melhor das boas vontades. O diabo era como era feito, e não porque era feito. “Ah - alguns poderão argumentar – mas se esse serviço de inspeção veicular fosse levado a cabo pelas próprias instituições públicas, aí sim teríamos baderna, demoras, atrasos, suborno, e toda a sorte de alternativas matreiras para corromper o sistema”. E como ficamos? Enchemos as burras da iniciativa privada (por um serviço que poderá simplesmente ser esquecido e jogado para as traças em um futuro próximo), ou ficamos com as empresas públicas, com sua inoperância e má vontade seculares? Se correr o bicho pega e etc. Em segundo lugar vem as pérolas. Na matéria da Vejinha há um tira-dúvidas, na base de perguntas e respostas. Logo na segunda pergunta há uma questão espinhosa: porque serão avaliados apenas os veículos fabricados a partir de 2003? Aí o Secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Sr. Eduardo Jorge, responde candidamente que a prefeitura “já verificou que entre 30 e 40% da frota a diesel fabricada antes de 2003 está na ilegalidade (o proprietário não paga nem imposto, nem multas)”; daí concluíram que esse índice também deve afetar a frota dos veículos de passeio na mesma medida; então conclui-se, de forma magnânima, “que a convocação para a inspeção veicular poderia aumentar a parcela dos proprietários em situação irregular”. Como diria um primo meu: deixa ver se eu entendi. Então, para que aqueles que já estão na clandestinidade não fiquem piores do que estão, nós não vamos incomodá-los, piorando a situação. Porque? Ora, porque “a inspeção é um pré-requisito para o licenciamento”. Então vamos convocar a parcela de trouxas, digo, de cidadãos, que tem seus compromissos mantidos em dia. Por coincidência, aqueles que possuem os carros mais novos. Um sujeito que tenha comprado um carro novo em Novembro de 2008, por exemplo, terá que fazer a inspeção em 2009, mesmo que seja apenas alguns minguados meses depois de ter colocado o carro para rodar. E aí terá direito ao simpático selinho no parabrisa, que será ostentado com garbo e orgulho pela cidade afora. E aquele que tem seu honesto carrinho fabricado antes de 2003, mesmo que fume mais do que a Esquadrilha da Fumaça, vai estar livre dessa, continuando a despejar seus quilinhos de monóxido de carbono enquanto flana por nossas abarrotadas vias de tráfego. Como esse assunto é um pouco extenso, a segunda e última parte fica para a semana que vem. Nos falamos.

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