sábado, 30 de maio de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 35

Antes de qualquer coisa, peço desculpas antecipadamente se o teor deste texto soar como alguma coisa oriunda do famigerado ramo de auto-ajuda. Se isso ocorrer, é porque foi sem querer. Não é essa a minha intenção. Apenas desejo explanar sobre um tipo de comportamento que me intriga há muito tempo. Dito isso, vamos lá. Há uma historieta bem antiga, cuja mensagem era dirigida à nossa visão de mundo: dois vendedores de uma indústria de sapatos do Brasil foram despachados para um pobre país da África. Havia o franco interesse de se expandir os limites geográficos das vendas, e os estrategistas haviam concluído que os países de primeiro mundo estavam sem margem para se ampliar as vendas. Logo, a ideia era buscar territórios novos e inexplorados. Lá chegando, os vendedores constataram que a maioria da população andava simplesmente descalça, seja pela questão econômica, seja pelo hábito. O vendedor pessimistra entrou em contato com a matriz da empresa e avisou, sucinto: “nem precisa pôr as máquinas para funcionar; aqui, neste país, as pessoas não usam sapatos; volto em breve”. Por outro lado, o otimista não conseguia esconder seu entusiasmo: “coloquem um turno a mais na fábrica; há aqui mercado de sobra; existe uma quantidade enorme de pessoas que ainda não tem sapatos”. E essa história voltou do fundo da minha memória, a propósito de uma circunstância que vivi hoje, sábado, 30 de maio. Fui, logo pela manhã, fazer uma compra, dessas que a gente faz pelo menos de dez em dez anos. No meu caso específico, a última compra foi, seguramente, há mais de 14 anos: um colchão novo. Por coincidência, ao ligar a TV pela manhã, antes de sair, vi uma propaganda de uma rede de lojas que vendia colchões e aquilo me incentivou. Resoluto, dei uma volta pela Av. Ibirapuera, no bairro de Moema, no trecho que vai da própria Av. Moema, mais no início da avenida, até próximo do Shopping Ibirapuera, quase chegando na Av. dos Bandeirantes. Duas constatações: era um pouco cedo demais (cerca de 8:30 hrs), e as lojas estavam todas ainda fechadas; e havia um número muito alto de lojas de colchões nesse trecho da avenida, incluindo mais de uma da mesma rede. Aquilo me impressionou (a quantidade de lojas, não o fechamento). Eu nunca havia prestado atenção nesse detalhe: o mercado de venda de colchões deve estar em alta. Lembrei da propaganda na TV e também daqueles anúncios enormes na Vejinha São Paulo. É até difícil fazer uma escolha, dado o alto número de opções que temos hoje, no tocante à variedade de colchões à venda. Uma das razões, imagino, foi o advento da chamada “cama box”, que transformou esse mercado. Agora, além de comprar o colchão, o comprador acabava por alterar a estrutura da cama como um todo, tendo que dispensar a cama propriamente dita, além de ter que se preocupar em também alterar a cabeceira. Isso, que não é de hoje, deve ter alterado significativamente esse mercado. Aí voltei para Santana, que fica perto do meu apartamento e fui numa das lojas daquele rede da qual eu vira o anúncio pela manhã. Passava pouco das nove horas quando cheguei lá e a loja estava recém aberta. No piso inferior estavam só os colchões. No piso superior (na verdade apenas um patamar meio andar mais elevado), estavam os vendedores, cuidando dos seus afazeres iniciais. Me aproximei da escada que fazia a ligação entre os pisos, e da parte de cima se aproximou um vendedor, bonacheirão e lento, parecendo um pouco contrariado por ter que descer aquele lance de escada naquele momento. Mas isso foi só um pensamento fugaz, que afastei rapidamente. Eu comprei um colchão, mas ele não vendeu. E eu fiquei na dúvida se ele percebeu isso claramente. Só fui saber o nome dele quando ele preencheu o pedido de compra (ele não se apresentou). E o colchão comprado foi aquele da propaganda televisiva: ele não se entusiasmou em mostrar outros. Comentei que morava num apartamento, e que uma cama box seria exagerada, por isso a opção apenas pelo colchão. E comentei também que eu poderia, futuramente, comprar uma cama box para a minha casa em Jacareí. Perguntei se entregavam lá. Ele quis saber a distância. Eu disse e ele informou que não haveria a cobrança de frete. Mas foi só. Perguntei-lhe sobre o mercado de colchões. Ele estava vendendo bem, assegurou-me, mas o mercado estava péssimo. Como eu havia mencionado minha ida à Av. Ibirapuera, ele me segredou: aquelas lojas vão fechar; devem sobrar apenas uma ou duas; em parte é a crise, e em parte é o fato de já ter passado a onda provocada pela aparição da cama box. Fiquei surpreso: a quantidade de lançamentos imobiliários em São Paulo, apesar da crise, não aponta para essa situação. E as pessoas continuam casando. Mas quem sou eu para entender de vendas de colchões? Enquanto esse vendedor preenchia o meu pedido de compra, o vendedor que estava na mesa ao lado mostrou-lhe o visor de uma calculadora e avisou: “onze, precisamos ainda vender onze”. Perguntei se era a meta do mês e ele confirmou. O outro vendedor me apontou com um aceno de cabeça e disse: “menos um”. Saí de lá intrigado. Se o mercado está ruim, se eles têm uma meta para cumprir, porque o vendedor não agiu proativamente na minha compra? E porque ele nem se preocupou com a informação que deixei no ar, sobre a futura compra para a minha casa em Jacareí? Já dentro do carro me lembrei de uma entrevista, de muito tempo atrás, nas páginas amarelas da Veja, em que um norte-americano (não me lembro mais de quem se trata) constatou que ao longo da vida havia comprado 12 ou 13 carros novos, mas nunca na mesma concessionária ou loja, apesar de às vezes comprar carros do mesmo fabricante. E a razão era simples: ninguém, das lojas onde ele comprou, nunca mais entrou em contato com ele, apesar de todas as informações de que dispunham a seu respeito. Venda feita, venda enterrada. E também me lembrei de uma outra reportagem, na Vejinha São Paulo, na qual era destacado o melhor vendedor de carros (acho que de São Paulo): uma mulher. Seu truque? Uma simples agenda, na qual estavam anotados todos os nomes, telefones (e as principais características das vendas) de todos os seus clientes. Periodicamente ela entrava em contato com cada um deles, para saber da satisfação deles com suas compras, para informar sobre as novidades, ou simplesmente para conversar. E assim ela se transformou numa campeã em vendas. E a minha última compra de um carro novo foi há mais de quatro anos atrás. Nunca mais alguém da concessionária (de Jacareí) entrou em contato comigo. A fábrica me enviou um burocrático questionário, para apurar meu parecer sobre a minha compra, o qual eu respondi cheio de entusiasmo (minhas respostas transbordavam para o verso do papel). Mas a coisa parou por aí. E eu paro por aqui. É mesmo só a crise que prejudica as vendas no varejo? Nos falamos.

Um comentário:

  1. Um dos melhores textos para treinamento de vendedores que li (e li diversos), iniciava com uma historieta de um viajante indo a uma drogaria comprar uma escova dental, comentando com o balconista que toda bagagem havia sido extraviada. O balconista, vendedor nato (ou bem treinado), além de compartilhar a angústia do seu cliente, vendeu-lhe creme dental, fio dental, desodorante, talco, lenços descartáveis, aparelho de barbear, creme de barbear, pincel, etc.
    Existem muitas histórias de sucesso rodando pela internet. Algumas reais, algumas de "co-autoria", outras totalmente inventadas mesmo.
    O que se vê é gente ocupando uma função, simplesmente por estar empregado, ou por não ter formação ocupacional. A crise acaba, de certa forma, colaborando nas decisões ocupacionais e o resultado... se sabe.
    É isso (e muito mais!).

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