quinta-feira, 11 de junho de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 37

João Ubaldo Ribeiro tem escrito com frequência sobre a questão da língua portuguesa, da maneira como a estamos (mal) tratando hoje em dia. Ele diz repetidamente, nas suas crônicas dominicais no jornal Estadão, que implicar com as incorreções é um pouco de caturrice - sintoma típico da idade que avança celeremente (nos tornando mais impacientes com os deslizes alheios) - porque a língua é realmente dinâmica e, portanto, se transforma continuamente ao longo do tempo (nem sempre para melhor, é bom que se diga). Considerando a rapidez da evolução dos meios de comunicação que vemos, não é de se espantar que a língua seja alterada velozmente. O problema é o mau uso, o desconhecimento das regras básicas, ou até mesmo as tentativas canhestras de buscar uma sofisticação idealizada, mas que passa muito ao largo do que seria efetivamente qualquer coisa que se pudesse designar como sofisticação, para dizer o mínimo. Periodicamente a juventude cria códigos novos e próprios, como uma forma de se distinguir e assim se distanciar do que é considerado velho e ultrapassado. Assim surgem as gírias, sempre vinculadas às diversas tribos que os jovens compõem. Um surfista fala diferente de um skatista, que fala diferente de um punk, que fala diferente de um gótico, ou de um emo, ou de seja lá o que for que surja no panorama atual e futuro. É um comportamento, paradoxalmente, antiquíssimo. Ou seja, sempre que nos sentimos modernos, porque passamos a fazer parte de uma comunidade (por assim dizer) absolutamente nova, e para que sejamos reconhecidos e identificados passamos a falar uma série de novas expressões, na verdade estamos nos comportando de uma maneira absolutamente antiga, porque esse comportamento existe desde sempre. Na questão da “sofisticação” surge, impávido colosso, o gerundismo, propagado com firmeza e decisão por qualquer atendente de telemarketing que se dê ao respeito. “Estarei transferindo a ligação, senhor!”, ou “Estarei providenciando o envio de um técnico!”, e por aí vai. Quem nunca ouviu uma bobagem dessas? Já ouvi e li diversas explicações a respeito, uma delas destacando que seria uma provável influência norte-americana (é tudo junto, ou ainda tem hífen?), por alguém ter traduzido erroneamente scripts de atendimento, sem se atentar para o bom emprego na nossa língua. Há uns vinte ou trinta anos atrás houve a invasão do “tipo”, uma muleta verbal que possibilitava dar um tempo para que o falador pensasse. Era, tipo assim, um jeito enviesado de falar. Recentemente houve a invasão do “você”, sei lá porque. O comentarista esportivo está falando sobre, por exemplo, a seleção brasileira de futebol e aí dispara: “você” pega e tira um volante, e aí “você” põe mais um atacante, de maneira que “você” passa a ter mais uma opção de ataque, só que “você” desguarnece a defesa e o meio de campo. Eu fico intrigado. “Eu” não sou o “você” a quem o tal comentarista se refere. Afinal, “eu” não tenho a menor capacidade de interferir na escalação da seleção brasileira de futebol. Aliás, eu nem sei direito qual é função específica de um volante. Imagino que ele, o comentarista, não esteja falando direta e exclusivamente com o treinador da seleção. Então, com quem ele está falando? Antes que alguém pense que estou subestimando a cultura dos comentaristas esportivos, me apresso em acrescentar que esse comportamento, digamos assim, linguístico, se espalhou como uma pandemia (palavra da moda!), afetando indiscriminadamente toda e qualquer pessoa que tenha um microfone à disposição (e que não tenha um texto escrito na sua frente). É facílimo reparar. Economistas, advogados, políticos, repórteres, qualquer que seja a profissão, ninguém está isento de usar indiscriminadamente o “você”. “Você” baixa a taxa de juros, “você” emite uma medida provisória, “você” ingere uma quantidade indevida de álcool antes de dirigir, “você” define os rumos da seleção brasileira de futebol. Ou seja, “você” está perdido, seja lá quem “você” for. João Ubaldo ouviu, por esses dias, alguém dizer “peluma”. Acho que foi na televisão, e acho que foi um repórter (ou uma repórter, não sei bem). Temos então “peluma razão muito simples”, ou “pelum motivo”, etc. Detalhando: pelum, peluma, peluns, pelumas. Pensa que é brincadeira? Espere e verá! Então “você”, “tipo” assim, “estará procurando” “peluma” nova forma de expressão. É claro que nada disso é tão mortal. José Saramago disse que “o que é obsceno é que se possa morrer de fome”. O resto é o resto. Sobreviveremos. E eu fico por aqui. Nos falamos.

Um comentário:

  1. Quer ver um assassinato, com requintes de crueldade, da nossa língua?
    Além disso, toda ignorância bíblica no seu extremo ápice (só no pleonasmo mesmo para qualificar).
    Dê uma espiada em Pregando a Briba.
    Depois dessa, a questão é sobrevivência mesmo!

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