quinta-feira, 18 de junho de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 38

Já sei, de antemão, que estou ficando repetitivo, mas para alguma coisa que preste deve servir a idade que avança, nem que seja para ficar repetitivo, sem se importar muito com a repreensão daqueles que nos cercam. Meu pai, por exemplo, como todo ser humano que chega a uma idade – digamos assim – avançada, repetia velhas histórias incontáveis vezes (ou, como diria aquele astronauta do filme Toy Story: ao infinito e além). E eu certa vez assisti a um episódio de um seriado estrelado pelo Bill Cosby (à época o ator mais bem pago dos EUA), no qual o pai do personagem dele (ele interpretava um médico da classe média americana) aparece para uma visita, e desanda a contar uma história comprida, de quando ele pegou em armas (acho que na Segunda Guerra Mundial). A cada frase que o velho pai falava, sempre com pequenos lapsos de memória no final, o filho se encarregava de completar. Só depois de algum tempo é que o velho pai deu por si e perguntou, curioso e espantado: eu já contei essa história para você? Ali eu enxerguei o meu pai, assim como milhares (ou milhões) de outros filhos e filhas. A vantagem do meu pai é que ele era dono de uma memória prodigiosa (que eu não herdei, com a mais absoluta certeza), de maneira que sempre surgia uma história nova a ser contada, só que intercalando uma série vistosa e sólida de um tanto de histórias repetidas. Mas a minha repetição, lá do início do texto, diz respeito ao assunto “língua”. É que, depois de ter postado a última crônica, só no dia seguinte me dei conta que faltou citar um novo sucesso de audiência: o sujeito repetido. Também não sei de onde surgiu esse modismo, mas é só prestar um pouquinho de atenção e lá aparece, vindo do nada, a nova firula verbal. Todos estão falando assim, donde deduzo que esse comportamento é contagioso. O repórter esportivo (sempre ele!) encara a câmera e lasca: “A seleção brasileira de futebol, ela está preparada para a Copa das Confederações”. Ou a comentarista de economia: “O Henrique Meirelles, ele tem se preocupado com a política fiscal”. Ou uma pessoa comum entrevistada na rua: “O Lula, ele tem apoio do povo porque fala a nossa língua”. Mas porque diacho a frase tem que ser interrompida para logo em seguida o sujeito ser repetido? Mistério! Mas repare você nessa nova moda. Se você ainda não está falando assim, não se preocupe; em breve vai estar contagiado e falando desse jeito, sem perceber. E a questão da língua é importante, sim senhor! Na revista Planeta, em sua edição de Maio/09, há uma matéria sobre as línguas no mundo. O número total é estimado em 6.000, das quais cerca de 2.500 estão sob algum tipo de risco, conforme um balanço feito pela Unesco. No ano passado a língua “eyak”, falada só no Alasca (território norte-americano), desapareceu junto com a morte da última pessoa que a praticava. Isso aconteceu também com a língua “ubykh”, da Turquia, dezesseis anos antes. E com o “manês”, da Ilha de Man (no Mar da Irlanda), em 1974. A reportagem da revista Planeta destaca que ao longo das três últimas gerações cerca de 200 línguas desapareceram, e com elas sumiram também suas formas exclusivas de raciocínio e pensamento, suas lendas, suas características próprias e geralmente intransferíveis. O termo que a revista usa é “universo”, quando tenta descrever a abrangência de cada língua. Ou seja, a língua traduz a percepção que temos de tudo o que nos cerca e nos diz respeito. O que não é pouca coisa, convenhamos. Por isso que não dá certo fazer traduções literais de uma língua para outra, pegando palavra por palavra de um texto e tentando fazer com que o amontoado de palavras traduzidas tenha sentido. A formulação do raciocínio é diferente, o que influencia não só na ordem com que as palavras são dispostas em cada frase, mas também sofre influência direta do lastro cultural que cada língua carrega consigo. Também por isso fica difícil pensarmos em uma língua e tentarmos falar em outra. O certo é pensarmos na mesmo língua com que iremos nos expressar. Só assim teremos fluência e seremos compreendidos. Caso contrário, nosso desempenho (e desenvoltura) vai se igualar, quando muito, ao do Tarzan: “Me, Tarzan, you, Jane”. E olhe lá! Nos falamos. Na mesma língua e, se possível, sem maltratá-la em demasia.

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