quinta-feira, 25 de junho de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 39

O escritor José Paulo Paes (também poeta e tradutor) dizia que cultura é o que nos resta depois da leitura. Ou seja, nosso lastro cultural é formado por uma parte daquilo que lemos e aprendemos. Por exemplo: lemos um livro qualquer, e daí a um tempo não lembramos sequer o nome do autor; mas na nossa mente ficou impregnada uma mensagem, um entendimento, uma compreensão, uma nova visão do mundo (como diria o Caetano Veloso: ou não). A soma dessas partes que sobrevivem formam a cultura de cada um. Mas não entenda isso como o velho “decoreba”. Apenas decorar um texto, um poema, uma citação, não faz de nós alguém de cultura superior. Agora, aquele que soube “digerir” as informações, processando-as no seu próprio caldo de cultura, retendo conceitos, metamorfoseando o modo como enxerga o mundo à sua volta, esse está fadado a ter uma cultura significativa. Aliás, essa é a única riqueza real que podemos ter, porque qualquer outra, notadamente de cunho materialista, não nos pertence; apenas está conosco temporariamente, até passar para as mãos de outras pessoas, que darão a ela destinos insuspeitados. E eu pensei nisso quando comecei a ler, pela primeira vez, o livro “Moby Dick”, escrito pelo Herman Melville (Editora Nova Cultural). Logo no início há um capítulo destinado apenas a citações (mais de 80 delas), todas voltadas ao assunto “baleia”. Há desde citações retiradas da Bíblia, até de Charles Darwin, o naturalista. Até aí, já fiquei impressionado. Depois, logo no primeiro capítulo, o autor faz a seguinte consideração: “E há toda a diferença do mundo entre pagar e ser pago. O ato de pagar talvez seja o castigo mais desagradável que os dois ladrões de pomar nos legaram. Mas ser pago, que há de comparável a isso? A educada presteza com que alguém recebe dinheiro é realmente maravilhosa, considerando que tão gravemente acreditamos que o dinheiro é a raiz de todos os males terrenos e que em hipótese nenhuma um homem endinheirado entrará no paraíso. Ah! Com que alegria nos despachamos para a perdição!”. Fantástico! Irônico, sutil, harmonioso. E, ao mesmo tempo, tocando em um ponto crucial do comportamento puramente hipócrita. Às vezes podemos ser “tocados” por uma composição como essa. Outras vezes basta uma frase bem articulada, um pensamento inteligente, uma “tirada” esperta. No Dicionário Aurélio, encontro a definição para esse tipo de frase: aforismo (S.m. Sentença moral breve e conceituosa; máxima). Na revista Veja atual (Edição 2118, ano 42, n. 25, de 24/06), Millôr nos brinda com a seguinte pérola: “A maior parte das pessoas nunca soube do que é que se está falando”. Para chegar a essa mesma conclusão, provavelmente eu gastaria uma crônica inteira. E não sei se definiria esse pensamento tão bem quanto essa frase, curta e inapelável. Millôr sempre foi um grande frasista. Dele, sempre lembro a célebre: “Livre como um táxi”. É a própria sofisticação da banalidade. Em outra revista Veja, do início do mês (Edição 2115, ano 42, n. 22), há uma matéria muito interessante sobre Benjamin Disraeli, um judeu conservador que foi por duas vezes primeiro-ministro britânico (na segunda metade do século XIX). Tudo bem, eu também nunca ouvi falar dele. Mas o que chama a atenção nessa matéria são as frases de Disraeli. Veja umas amostras: “Ordem e limpeza não são instintivas. Precisam ser cultivadas”; “A ação pode não trazer felicidade. Mas não existe felicidade sem ação”; “As paixões, as diferenças políticas e os prazeres são comuns. O que distingue um homem é a sabedoria”; “Como regra geral, o homem mais bem sucedido na vida é aquele com as melhores informações”; “A vida é muito curta para ser pequena”; e por aí afora. Quanto de verdade, de ironia, de bom senso, existe em cada aforismo desses? Seria possível fazer uma composição dessa qualidade, sem ter forjado inicialmente uma sólida formação cultural? E é claro que, falando em aforismos (e citações, e máximas, e epigramas) não posso deixar de falar de Oscar Wilde, por coincidência outro britânico, que além de nos legar obras primas na literatura (e no teatro), cunhou também frases que se tornaram inesquecíveis: “Todo homem mata aquilo que ama” (essa está no meu livro “Fragmentos de uma rua sem fim”, ainda à procura de uma editora); “As mulheres foram feitas para serem amadas, não para serem compreendidas”; “O apaixonado começa enganando a si mesmo e acaba enganando os outros. A isso o mundo denomina romantismo”; “Uma idéia que não seja perigosa não é digna de ter esse nome”; “A coerência é o último refúgio dos que não têm imaginação”; “Experiência é o nome que damos a nossos erros”; “A tragédia da velhice consiste não no fato de sermos velhos, mas no fato de ainda nos sentirmos jovens”. E isso é só um aperitivo. Mas, por enquanto, eu fico por aqui. Nos falamos.

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