quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 51

Em 28 de setembro passado morreu em Londres Lucy Vodden, a mulher que serviu de inspiração para a música "Lucy in the sky with diamonds", dos Beatles. Por circunstâncias particulares, eu conheci essa música primeiro pela voz do Elton John, e só mais tarde conheci a gravação pelos Beatles, do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1967. Esse disco sempre está em qualquer lista que se faça sobre os melhores álbuns de todos os tempos, às vezes no topo da lista. A revista Rolling Stone, muito respeitada no meio musical, em 2003 colocou Sgt. Pepper’s em primeiro lugar em uma lista dos 500 melhores álbuns de todos os tempos, o que não é pouca porcaria. O álbum (na época era o tal LP - Long Play - hoje um dinossauro de registro, mais tarde apelidado carinhosamente de “bolacha”, apelido que alguns até hoje usam) surpreende pela unidade, pelas composições elaboradas, pelo pop/rock psicodélico, experimental, por uma série de fatores que o transformaram em uma obra única, uma jóia musical de valor inestimável. Havia também a questão das letras impressas, o que foi um movimento precursor. Além disso, a capa do disco foi controvertida e curiosa. Uma das lembranças é a da lenda sobre a morte de Paul McCartney, cuja mensagem estaria na base da ilustração da capa: havia algo como um túmulo, ornado de flores, com uma guitarra/contrabaixo, que era o instrumento do Paul, com apenas três cordas, o que evidenciaria que naquele momento faltaria um dos Beatles. A lenda acabou sendo alimentada pelo fato de os Beatles, a partir de um certo momento da carreira, terem optado por se apresentar menos em público, transformando-se em músicos de estúdio. Em um disco posterior, Abbey Road, a foto da capa mostra os quatro atravessando a rua do famoso estúdio, e apenas Paul está descalço, e aí dá-lhe conjecturas! De Sgt. Pepper’s ainda ficaram de fora as canções “Strawberry Fiels Forever” e “Penny Lane”, que já estavam prontas, mas que, por pressão da gravadora EMI, o produtor George Martin lançou antes, no formato que se chamava de compacto (discos menores que continham apenas uma canção gravada de cada lado). Na época não se admitia, no Reino Unido, replicar a mesma música em discos distintos, quando eram recém gravadas, então essas duas fantásticas canções ficaram de fora do LP histórico. E a música que encerra Sgt. Pepper’s é um capítulo à parte, em termos de composição, harmonia, as mudanças de andamento, o uso de instrumentos clássicos, barulhos de relógio, etc. Recentemente (acho que foi no Caderno 2 do Estadão do último domingo) Daniel Piza escreveu sobre essa música, “A day in the life”, destacando seu caráter inovador. A vantagem de um disco como Sgt. Pepper’s é que ele pode ser considerado como uma obra aberta, na qual sempre descobrimos uma novidade, bastando ter um ouvido curioso, perscrutador, inquieto, para que, a cada audição, a gente descubra novos sons, achados musicais não percebidos antes, e assim por diante. Isso, para um disco lançado em 1967, há 42 anos atrás, é realmente algo para se pensar e refletir. Mas voltando à Lucy Vodden: há controvérsias, obviously. A BBC, na época, baniu a música, pela condição de provocadora, por supostamente falar da droga LSD (o ácido lisérgico, tão representativo daqueles loucos tempos), porque as iniciais do nome da música teriam essa finalidade: Lucy in the Sky with Diamonds, o que seria corroborado pela letra psicodélica. A própria Lucy disse que aquela música não tinha nada a ver com ela, por causa da letra delirante, que não condizia com o que ela era. John Lennon afirmava que a idéia da música surgiu ao ver um desenho feito pelo seu filho, Julian, que era colega de escola de Lucy. Ao apresentar o desenho, o filho explicou o que representava: era a Lucy no céu com diamantes. Ao mesmo tempo, temos a informação de Paul McCartney, em uma entrevista em 2004, dizendo que realmente a música era sobre o LSD. Detalhe: apesar de atribuída à dupla (Paul/John), a composição era só de Lennon. A reportagem que vi no site do Terra sobre a morte de Lucy informa que ela estava com apenas 46 anos de idade, e que lutava há alguns anos contra o lúpus, uma doença que envolve reações do sistema imunológico. Apesar de terem perdido o contato logo após Julian ter deixado a escola, ultimamente eles voltaram a se ver, inclusive porque ele tentou ajudá-la a lidar com a doença. Agora ela passou definitivamente a fazer parte da lenda de uma canção eterna. E lenda sempre é uma história que dificilmente se comprova. Nesta, então, em que faltam dois dos principais personagens (Lennon, como o autor da música, e Lucy, como inspiradora), a coisa se complica mais. Mas, como já se dizia por aí há um bom tempo: se a lenda é mais interessante que a verdade, que se divulgue a lenda! Nos falamos.

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