quarta-feira, 26 de maio de 2010

Artigo Indefinido – Ano 2 – Nº 04

“Digressão! Digressão!”

Holden Caulfield é, provavelmente, um dos personagens mais conhecidos de todos os tempos, dentro do (extremamente) fértil campo da literatura de ficção. Apesar de estar preso em uma história geograficamente fixa e datada (Nova Iorque, meados do século XX – o livro foi publicado inicialmente em 1951), a forma magistral como seu comportamento e seus sentimentos são expostos compõem um painel psicológico cativante, que tem angariado leitores entusiasmados por décadas seguidas. É impressionante como o livro “O apanhador no campo de centeio”, de autoria de J. D. Salinger (que morreu em Janeiro deste ano, aos 91 anos de idade), onde reina o famoso personagem, consegue prender nossa atenção e ao mesmo tempo consegue verter de maneira avassaladora as confusões intermináveis de uma mente adolescente em ebulição. Como Salinger optou por uma vida absolutamente reclusa, avesso a qualquer forma de exposição pública, e como ele escreveu relativamente muito pouco (além de “O apanhador”, o livro de contos “Nove histórias”, duas novelas curtas em “Franny e Zooey”, e o romance “Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira e Seymour, uma apresentação”), nunca saberemos efetivamente quanto de si próprio havia nos personagens que criava, ou quanto do que ele acreditava era dito por seus personagens (que, aliás, não foram muitos, já que ele repetia personagens e famílias de um livro para o outro). Um episódio interessante do livro ocorre quando Holden conta sobre um método da aula de Inglês em sua escola, em que o aluno é obrigado a fazer uma redação oral, diante de todo o resto da classe, não podendo perder o fio da meada do que narra, sob o perigo constante de todos os outros alunos começarem a gritar “Digressão! Digressão!”. No Dicionário da Editora Rideel “digressão” é: s.f. 1 Divagação. 2 Desvio de assunto, de rumo; passeio; excursão. 3 Evasiva. E Holden não se conforma com essa regra, porque acha que, se no meio de uma história, o autor acha por bem mudar o fio narrativo, porque outro assunto mais interessante se apresentou, então ele, o autor, que siga por onde quiser, sem que fiquem gritando “Digressão! Digressão!” a cada vez que ele deixa a mente divagar. Eu, particularmente, gosto de “tergiversar” (fazer rodeios, ser evasivo). Quantas vezes preciso parar um bate papo para perguntar, espantado com o rumo da prosa, sobre como aquilo tudo começou (brincadeira recorrente: você quer saber tudo desde o começo? Pois bem, no começo o mundo era uma bola de fogo...). Parece o "efeito borboleta": o início da conversa é sobre, por exemplo, a erupção do vulcão na Islândia, e daí a pouco estamos falando sobre, também por exemplo, a invenção da minissaia pela inglesa Mary Quant. Ou, pior ainda, vice-versa, da minissaia para o vulcão. E, afinal, que mal há nisso? Desde que não prejudique ou inviabilize o convívio social, tanto faz! Aliás, como usei “por exemplo” duas vezes na mesma frase, me lembrei do meu grande amigo Flávio Lanzelotti, que tinha o curioso hábito de enfiar o “por exemplo” no meio de qualquer conversa, mas destituindo a expressão de qualquer vínculo com seu sentido original. “Eu estava parado num congestionamento na Rebouças, por exemplo, e um motoqueiro quase arrancou o espelho retrovisor do meu carro”, ou “Eu nunca fui com a cara desse sujeito aí, por exemplo”. Ele era o Senhor “Por Exemplo”, que desgastou a expressão, de tanto empregá-la a torto e a direita, até que sobrou apenas uma interjeição (ou uma exclamação), pontuando uma frase. E agora estou lembrando que voltei a ler “O apanhador” por causa da leitura recente da (caudalosa) biografia de John Lennon por Philip Norman, e lá consta que o assassino do Beatle, Mark Chapman, estava lendo “O apanhador” por ocasião do assassinato, e ele afirmou para a polícia que a resposta para o seu ato estava no livro. Detalhe: o atirador que tentou matar o presidente norte-americano Ronaldo Reagan, menos de cinco meses depois da morte de Lennon, também afirmou que a resposta para o seu ato estava nesse livro. Livrinho insidioso, pois não? Pois sim é que a mente perturbada acha motivo onde quer. E outra coisa que me lembrei agora: na verdade, fiquei um bom tempo achando que o “apanhador” do título do livro seria equivalente a quem faz a colheita. Afinal, o que é um apanhador num campo de centeio? Isso, claro, antes de ler o livro. Aí se descobre que o “apanhador” tem relação com o baseball (no jogo, o apanhador é quem pega as bolas que escapam ao batsman, usando uma grande luva de couro), porque essa seria a atividade ideal para o Holden Caulfield: num campo de centeio, onde centenas de crianças correm brincando em todas as direções, ele seria o responsável por apanhá-las caso se desgarrassem e fossem cair num precipício. Uma imagem extremamente poética. Na tradução livre, “catcher” pode ser também aquele que pega ou apanha coisas. E também pensei: uma pessoa que apanha regularmente (no sentido de levar uma surra), também é um apanhador? E por aí vai! Nos falamos.

3 comentários:

  1. Preciso ler esse livro... vai entrar para a minha fila na estante! rsrs

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  2. Divagaaaaaaaar..........será que isso é genético??

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  3. Na ficção (cinema) também há um leitor deste livro. Mais que um leitor, um comprador compulsivo. Não lembro o nome do personagem, mas o filme é "Teoria da conspiração", protagonizado por Mel Gibson e Julia Roberts. Não li o livro e, principalmente agora, fiquei mais curioso!
    Beijo do mano Cló

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