terça-feira, 17 de agosto de 2010

Artigo Indefinido – Ano 2 – Nº 06

Você já ouviu falar do Paradoxo do Livro Chato (PLC, para simplificar)? Em inglês é conhecido como Boring Book Paradox (BBP), e suas origens se perdem nas brumas do tempo porque, dizem as más línguas (ou, pelo menos, as línguas mais ferinas), o PLC/BBP surgiu junto com Gutemberg (gráfico alemão que inventou os tipos móveis, que resultou na forma moderna de impressão de livros e jornais), lá pelos idos do século XV. Ou seja, como diria o filósofo brasileiro Juca Chaves, assim que o homem inventou o cinto de castidade, na seqüência veio o abridor de latas. Tão logo os livros começaram a ser impressos em série, já surgiu o PLC em todo o seu esplendor. Há registros, não confirmados, de que Shakespeare já lamentava a existência do PLC. Vai se saber! Afinal, nem mesmo a existência de Shakespeare é absolutamente confirmada. Mas isso já é outra história. Outras correntes do pensamento literário atribuem a James Joyce o surgimento do PLC, depois da publicação do calhamaço que é o livro mais famoso de sua (dele) autoria, “Ulisses”, com 900 páginas, em que se descreve UM dia na vida do Sr. Leopold Bloom (para ser mais exato, o decorrer de 16 horas do dia 16/06/1904). Aliás, você sabia que se comemora o Bloomsday todo dia 16 de junho – ao redor do mundo e inclusive no Brasil (aqui em pubs de origem irlandesa)? E que na Irlanda, país de nascimento do prolixo escritor, 16/06 é feriado nacional (talvez o único feriado decorrente de um livro laico e de ficção no mundo todo)? Há uma tese, não confirmada, de que Joyce escolheu 16/06 como data símbolo porque foi o dia em que teve o primeiro contato sexual com a sua futura esposa, Nora Barnacle. Claro que há controvérsias a esse respeito, mas que é curioso, isso é. Como diz o dito popular: se a lenda é mais interessante que os fatos, divulgue-se a lenda! E 16/06 (de 1950) foi o dia da inauguração do Estádio Mário Filho, o Maracanã. E também a data do Levante de Soweto (em 1970, na África do Sul, ainda no vigor do tenebroso sistema do apartheid, que segregava brancos e negros), quando morreu o jovem Hector Pieterson. Mas também são outras histórias. O certo é que muita gente tem vergonha de dizer que não conseguiu ler “Ulisses”, porque intimamente tem a mais plena certeza de que ele se insere na ampla categoria dos livros chatos, mas publicamente isso seria equivalente a passar um atestado de ignorância e intelecto fraco. Aconteceu comigo recentemente com o livro “Jogo da Amarelinha” do argentino Júlio Cortazar, livro aclamado mundialmente como um clássico da literatura latino-americana. E quem disse que eu consegui ler o cartapácio? Com a serenidade devida (e um diabinho assoprando no meu ouvido que eu não tenho o lastro cultural suficiente para encarar uma empreitada dessas), guardei o livro na estante, onde ele vai aguardar por dias melhores. Ou não. Mas a questão do PLC é a seguinte: acabei de ler “À sombra do vento”, escrito pelo espanhol Carlos Ruiz Zafón. Li que se trata de uma narrativa “eletrizante”, mas no meu caso isso poderia ser descrito mais como “maçante”. Acho que sobra escrita no livro, mas falta literatura. O estilo é sombrio de cabo a rabo, mas isso mais me irritou, de tanta repetição, do que entusiasmou, porque a mim soou um pouco forçado. As descrições são repetitivas e sem imaginação, utilizando-se de termos pretensamente líricos, mas que no fundo são – mesmo – kitsch. Por isso a leitura se arrastou e fiquei um tempão tentando vencer as mais de trezentas páginas do livro, porque optei por não desistir. Acabada essa leitura, passei para “A solidão dos números primos”, do italiano Paolo Giordano. No último domingo, quando comecei a leitura, já cheguei à página cento e cinqüenta. Ou seja, rapidamente vou acabar de lê-lo. Aí está o PLC: um livro chato, que nos aborrece, tem sua leitura feita de forma lenta, tomando um tempo além do razoável; e um livro muito interessante, que prende nossa atenção e tem o dom de deixar-nos ansiosos por saber o desenrolar da história, é devorado em um tempo curto. Descobri que dedico mais tempo a um livro chato do que a um livro interessante. Isso é ou não é um paradoxo? E me lembrei da leitura que fiz, há muito tempo atrás, de “A fogueira das vaidades”, do Tom Wolfe, que eu atrasava de propósito, tentando ler de forma mais lenta, para poder usufruir mais tempo de uma leitura agradável e prazerosa. E, falando sério: não existe PLC ou BBP. Pelo menos não formalmente, como apresentei aqui. Foi apenas um pequeno floreio ficcional, que acabo de inventar, para ilustrar algo real. Mas não pareceu verdadeiro? Nos falamos.

Um comentário:

  1. O mesmo sucede no cinema, no teatro, na música, ou seja, em todas as manifestações culturais. Não sou sumidade, tampouco nulidade em termos culturais, e sempre me vem à mente que há algo de interesse nos pronunciamentos de críticos. Pra mim, autores poderiam falar sobre a obra de outros autores. Quem não fez, que procure fazer, ou mantenha-se na sua mesquinha posição!
    Falêmo-nos!

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