quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 11
A igreja Assembléia de Deus, da Avenida Ricardo Jafet, no Ipiranga, tem uma aparência mais próxima das catedrais, com a imponência característica: o estilo mais rebuscado, as torres, as janelas com vitrais coloridos e outras características desse gênero de construção. E nisso ela é diferente das inúmeras outras igrejas de mesmo nome que encontramos pelos bairros, em geral mais sóbrias, (muito) menos vistosas, mais pragmáticas, se é que pode dizer isso da aparência de uma igreja. E sobre a parte mais alta dessa igreja da Ricardo Jafet há um grande relógio branco, que se ilumina à noite - parecendo uma lua cheia meio deslocada - girando lentamente, mostrando as horas em uma face e o nome da igreja na outra. Quem passa diariamente por aquele trecho da avenida, como eu, já se acostumou a enxergar o relógio girando sobre a parte mais alta da igreja. Faz parte do dia a dia. A rotina, por sua vez, algo que pode nos trazer tédio e desânimo pela repetição insossa, também tem, por outro lado, o dom de trazer conforto e segurança. Afinal, basta termos alterações inesperadas nas nossas atividades corriqueiras, e lá estamos nós desamparados, desconfortáveis, inseguros (o jornal que não foi entregue na portaria do prédio, o sinal da TV a cabo que sumiu sem maiores explicações, o remédio para dor de cabeça que usamos com freqüência que, de repente, some das farmácias, etc.). Por isso, foi com espanto que vi, alguns dias atrás, o relógio daquela igreja parado, tanto no movimento dos ponteiros, quanto no seu giro habitual. Junto com a sensação de desconforto, que vem quando algo quebra a nossa rotina, sem que para isso tenhamos contribuído, ou que estivéssemos conscientemente aguardando, chegou a (vaga) noção de que um sinal havia aparecido. Um sinal de crise (!?), de paralisação de atividade, de congelamento, de perda de sentido? Seres humanos inseguros que somos, estamos (pelo menos a maioria de nós) eternamente em busca de sinais que nos guiem e que nos orientem (lembram-se da canção do Gilberto Gil? “Se oriente, rapaz!”, querendo dizer não só que o rapaz deve buscar orientação, como também deve buscar o “oriente”, voltar-se para o “oriente”, como contrapartida ao nosso “ocidente”). Por isso vivemos tentando interpretar os sinais, de maneira a entender o que acontece nas nossas vidas cotidianas. O táxi atrasou no trânsito de São Paulo e por isso perdemos um vôo? Isso deve ser um sinal! A Ana Maria Braga desejou o sumiço do ex-marido da atriz Suzana Vieira? Com certeza foi um sinal, e dos mais fatídicos. Por isso jogamos búzios, lemos cartas do tarô, recorremos ao I Ching, adotamos o Feng Shui. Os religiosos, por sua vez, buscam esses sinais na igreja, no contato com o plano divino, para tentar receber não só explicações para o que já aconteceu, como também para o que ainda vai acontecer. Às vezes desvirtuamos essa questão dos sinais, e passamos nós mesmos a tomar atitudes que sinalizem segurança e conforto. Só entrar em casa com o pé direito, sair dos lugares pela mesma porta por onde entrou, bater na madeira para evitar maus presságios, e por aí vai. Em pouco tempo, se não tomarmos os devidos cuidados, isso evolui para o famigerado TOC (transtorno obsessivo compulsivo), e o que era para proporcionar segurança e conforto passa a representar um entrave, atrapalhando nossa vida cotidiana. Não há como não lembrar do personagem vivido pelo ator Jack Nicholson no filme “Melhor Impossível”, cheio de tiques e manias (atuação que rendeu-lhe o Oscar de melhor ator de 1997). Ou, para sermos mais próximos, do cantor Roberto Carlos, que martirizava a si mesmo e aos que o cercavam com as inúmeras manias. Fazendo um rápido exame de consciência: quem de nós pode atirar a primeira pedra, e dizer convicto que não se submete a algum tipo de mania estranha? Mas vamos voltar à igreja do Ipiranga: o que aquele relógio parado pode representar para os incautos observadores? O que será que houve com o relógio? Será que estão fazendo manutenção? Ou será que a igreja, espremida no seu terreno, decidiu retirar aquele símbolo das nossas vistas para sempre? Usando um clichê antigo (o que também não deixa de ser uma mania reprovável): só o tempo dirá. Nos falamos.
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