quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 17
Escrevo esta crônica em 27 de Janeiro porque hoje eu soube, através das ondas do rádio, ouvindo o noticiário da CBN enquanto dirigia de volta para casa, que John Updike morreu. Mais tarde, ao chegar em casa, vi o William Bonner anunciar a morte desse escritor no Jornal Nacional, mas não cheguei a assistir a matéria televisiva. No rádio ouvi só a manchete da notícia: “faleceu hoje, aos setenta e seis anos de idade, o escritor americano John Updike”. E só. Não sei o que o Jornal Nacional comentou a respeito. Tenho um pouco de dificuldade para imaginar como seria a matéria na televisão. Afinal, não se tratava de uma dessas celebridades instantâneas, ou mesmo de uma estrela de conhecimento público. Ele poderia passear por qualquer cidade do Brasil sem ser reconhecido. O que ele, aliás, deve ter feito, porque veio para cá, e até mesmo lançou um romance chamado “Brazil”, no qual parte da ação se passa no interior de uma favela carioca, incrustada no morro, como bem manda o lugar-comum. Lembro que o livro narrava um romance entre um rapaz do morro e uma moça do ― digamos ― asfalto. Era uma releitura aberta e despojada de Tristão e Isolda. Não gostei do livro. Bem depois de ter lido esse livro, li uma análise que dizia que lemos com redobrada desconfiança, e um pouco de descrença, histórias escritas por estrangeiros que sejam passadas no país em que vivemos. Parece que sempre fica um olhar estrangeiro, em parte um olhar de estranho, em parte um olhar de turista. Pode até culminar em uma obra bem acabada, e até mesmo imbuída das melhores intenções, mas dificilmente vai agradar aos nativos. Isso não aconteceria se, por exemplo, fosse um americano contando uma história passada na Itália, ou em qualquer outro país. Mas, enfim... O fato é que procurei o livro “Brazil” aqui em casa e não achei. Deve ter ido fazer companhia para aquela multidão silenciosa de livros que desaparecem das nossas casas como que por encanto, materializando-se em locais estranhos às suas origens. Acho mesmo que se eu tivesse em casa todos os livros que comprei ao longo da vida, provavelmente teria alguns problemas para guardá-los adequadamente. Mesmo assim fiz um rápido inventário, vasculhando na estante do “escritório caseiro” e achei os seguintes títulos do mesmo autor: “Busca o meu rosto”, “Na beleza dos lírios”, “Pai-nosso computador”, “Memórias em branco” e “Consciência à flor da pele”. Encontrei também o que deve ser provavelmente sua obra mais conhecida: os livros que compõem a tetralogia sobre o personagem “Coelho” (Harry “Rabbit” Angstrom), que são (pela ordem cronológica): “Coelho corre”, “Coelho em crise”, “Coelho cresce” e “Coelho cai”. Essa tetralogia é, para mim, a sua melhor produção ― um retrato riquíssimo do panorama americano, mostrado como pano de fundo enquanto é narrada a história desse personagem que é, ao mesmo tempo, prosaico e fantástico. O primeiro livro da série rendeu-lhe o primeiro prêmio Pulitzer; o segundo livro, o segundo prêmio. Detalhe: a distância entre o primeiro livro do “Coelho” e o último é de 30 anos (o primeiro é de 1960 e o último de 1990). É dele também, mas eu não li, “As bruxas de Eastwick”, um best-seller que depois virou um filme de sucesso, estrelado por ninguém menos do que Jack Nicholson (e também pela Cher, Michelle Pfeifer e Susan Sarandon). Outro livro dele que já tive, mas sumiu na poeira inexorável do tempo, é “Casais trocados”, adquirido através do Círculo do Livro (lembram-se dos catálogos, dos livros com capas duras?). John Updike foi muito premiado, tendo escrito de forma prolífica, o que resultou em uma vasta obra: romances, ensaios, poesia, teatro, crítica. Lembro de uma declaração dele afirmando que só se sentia bem se escrevesse ao menos uma página por dia, todos os dias; para ele, dia em que não escrevesse era como se fosse um dia perdido. Chegou a ter seu nome aventado como merecedor do Nobel de Literatura, mas ficou mesmo só na intenção. Foi um escritor ao mesmo tempo aclamado e atacado pela crítica. Chegou a ser acusado de misógino, racista, a favor do establishment, e por aí vai. Norman Mailler, outro grande escritor americano (também ganhador de dois Pulitzer e grande polemista), dizia que Updike era um escritor feito para quem não sabia ler. Mas eu fico com a minha própria opinião: um excelente escritor, com uma visão aguçadíssima do comportamento humano e um dom elevado para descrever minuciosamente o cenário americano, principalmente dos chamados subúrbios. Controvertido? Pode ser, mas interessante e merecedor de uma boa leitura. O que ele escreveu faz parte do meu lastro de cultura, e sua imagem não pode mais ser dissociada do cenário literário contemporâneo, assim como ocorre com outros renomados escritores americanos da atualidade, como Philip Roth, Tom Wolfe ou Paul Auster. O título em inglês do último livro do “Coelho” é “Rabbit at rest” (coelho em repouso, ou descanso). E o que me vem à cabeça é dizer a ele o surrado bordão fúnebre: rest in peace! (a famosa abreviação: “r.i.p.”: descanse em paz). Nos falamos.
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