quinta-feira, 26 de março de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 25

Em um recente artigo publicado no Estadão, o escritor Luiz Fernando Veríssimo descreveu um verão que ficou impregnado na sua (dele) memória, curtido nos áureos tempos da sua (dele) juventude (ê língua, essa nossa! - aliás, ontem à noite vi na TV um pequeno quadro com o Professor Pasquale, sobre particularidades da implantação da nova ortografia; e um detalhe “bacana” é que a palavra “herói” continua acentuada, mas a palavra “heroica”, derivada da primeira, não. Entendeu? Nem eu.) Após descrever detalhadamente como havia sido aquele inesquecível verão, Veríssimo chegou à conclusão, no final do artigo, que a saudade melancólica que sentia não era do verão em si, mas sim da sua (dele) própria juventude, que estava no auge naquele verão. Lembro de ter lido, há muito tempo atrás (e bota tempo nisso!), um artigo, escrito não sei por quem, no qual era dito que ao aplaudirmos com mais ênfase uma determinada canção em um show, é sinal que estamos aplaudindo a nós mesmos. Estamos aplaudindo o que aquela canção representa para nós mesmos, lembrando do nosso passado, do tempo que aquela música representa dentro da nossa existência. A música sinaliza e demarca nosso tempo. Por isso as canções novas, desconhecidas pelo público, são sempre merecedoras de aplausos mais comedidos. Somos assim: até quando aplaudimos um artista que admiramos, cantando “aquela” famosa canção que de alguma forma marcou as nossas vidas, estamos aplaudindo a nós mesmos, ainda que de maneira indireta: o artista se derrete em mesuras exageradas, crente que é destinatário dos aplausos, mas no fim das contas tudo é um jogo de espelhos. Vemos nós mesmos refletidos na canção. Isso justifica também a quantidade de e-mails que recebemos sobre “os velhos bons tempos”. E tome falar saudosamente do tênis Conga, do refrigerante Grapette, do carro Gordini, do seriado “Perdidos no espaço”, e por aí vai. Em um desses e-mails, que visava a analisar o DNA das pessoas (Data de Nascimento Antiga), o autor desandou a fazer uma análise curiosa: dizia ele que naqueles “bons tempos” ninguém era obrigado a usar cinto de segurança nos carros e que isso não redundava em problemas mais sérios nos acidentes automobilísticos (ele lembrou alegremente o fato de as crianças ficarem completamente soltas nos bancos dos carros); ou que então os produtos alimentícios não tinham data de validade, e que ninguém morria por causa disso. Ele só esqueceu de mencionar que a esbórnia daquele tempo implicava em mortes prematuras e evitáveis, ou que de lá para cá a expectativa de idade (longevidade) cresceu significativamente. E isso foi obra do acaso? O desconto que deve ser dado a essas declarações estapafúrdias é o da compreensão de que o autor não tem saudade daqueles tempos especificamente; ele tem saudade de si mesmo, do garoto descobrindo as novidades, de ter o mundo todo e a vida inteira pela frente. Ele tem saudade da falta de responsabilidade, das descobertas diárias, dos sonhos acalentados em gloriosos tempos em que nada havia para fazer (geralmente em contraponto direto com o tempo de hoje, no qual o autor provavelmente deve ser um adulto pai de família, sem tempo para si mesmo, ou pelo menos sem tempo para poder fazer novas descobertas e sonhar novas perspectivas). Acho que vou citar errado, mas penso que foi o Millôr Fernandes quem disse, ao ser perguntado sobre “seu tempo”: meu tempo é hoje. Hoje não é pior ou melhor do que ontem. Hoje também não é pior ou melhor do que amanhã. Hoje é outro tempo. Ao fazermos comparações, sempre teremos uma longa lista de cada lado da página: de um lado as coisas boas de hoje em relação à ontem, e de outro as coisas ruins de hoje em relação à ontem. Mas tudo se resume, no final, ao nosso olhar. E nosso olhar sempre estará carregado com as nossas experiências, com a nossa vivência, e por isso mesmo é completamente subjetivo. Na Corretora Marraf ouvi certa vez uma recepcionista falando dos velhos bons tempos, que, para ela, era a década de 80. E fiquei pasmo com aquilo. Tentei argumentar que muitos autores, analistas e críticos, denominam esse período justamente como a “década perdida”. Comparando com a efervescência das décadas de 50, 60 e – já num ritmo mais brando – 70, 80 foi uma década sem muitas novidades de peso. Mas 80 foi a década dela, da recepcionista da Marraf. Foi o tempo da juventude dela, das descobertas dela. Logo, como não poderiam ser importantes (para ela)? Aqueles eram os bons tempos para ela. E contra isso não há argumento que resista. Então temos esse aspecto fundamental da análise: comparação. Avaliamos tudo por comparação. Como naquela infame piadinha dos dois sujeitos conversando numa mesa de bar, quando um deles pergunta ao outro: E sua sogra, está bem? E o outro, direto ao ponto: Depende. Comparada com o quê? Nos falamos.

2 comentários:

  1. Eu li esse artigo do Veríssimo!

    A década de 80 sem muitas novidades? Como assim? Nasci em 1985, poxa! rsrs =)

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  2. Sabe qual o seu problema com a década de 80? Você já estava ficando velhinho..hehe...pra mim também foi a melhor...rs
    bjs mils

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