quinta-feira, 2 de abril de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 26

Eram quatro horas e vinte e cinco minutos da tarde e a reunião de que eu participara havia acabado. Saí para a calçada da Av. Paulista (a mais paulista das avenidas) e observei por alguns instantes o intenso movimento daquela tarde de terça-feira. Em frente ao prédio onde eu estava um rapaz andava de um lado para o outro, distribuindo folhetos de uma loja da galeria do térreo. Às vezes ele caminhava até a esquina, onde bastaria atravessar a rua para chegar ao Parque Trianon, e voltava acompanhando o fluxo das pessoas, entregando seus folhetos de mão em mão. Ele conversava com algumas pessoas, brincava com outras, mexia com as meninas e ria alto. De vez em quando ele rodopiava, dava alguns curtos passos de dança, requebrava e aí continuava seu trabalho. Enquanto observava essa figura, pensei na questão do horário. Era tarde para voltar ao trabalho, em Diadema, mas era cedo para o próximo compromisso, que seria só às sete e vinte da noite, no Itaim Bibi. Então olhei para o imponente prédio do Masp, do outro lado da rua, e resolvi me conceder um tempo. Um cartaz na fachada anunciava a mostra "Olhar e ser visto", dentro da mostra do acervo permanente, no segundo piso. Fui até a bilheteria, localizada no nível da avenida, debaixo daquele imenso vão livre, e tive a primeira grata surpresa: às terças-feiras a entrada é livre. Peguei o elevador e fui ao segundo piso. Essa mostra é a quarta e última das mostras temáticas, da série MASP 60 anos. As obras expostas são criações que abrangem desde o século XVI aos dias de hoje, incluindo mestres da pintura como Rembrandt, Picasso, Ticiano, Van Gogh, Modigliani, Velázquez, Goya, Cézanne, Manet, Renoir e Portinari. É uma situação que beira o indescritível poder parar a menos de um metro de distância de uma pintura como "Rosa e Azul" de Renoir, e observar as duas meninas fazendo pose, a menor delas com um semblante entristecido, como se estivesse um pouco contrariada. Parece que ela está quase chorando, e é realmente impressionante perceber como o pintor conseguiu captar essa nuance delicada de expressão, principalmente se levarmos em consideração que a obra foi composta ao longo de várias sessões. Ou seja, essas meninas, então com seis e cinco anos de idade, não devem ter ficado imóveis o tempo todo, mantendo as feições inalteradas, para facilitar o trabalho do pintor. A obra é de 1881, retratando as irmãs Alice e Elizabeth, filhas de um banqueiro. De início chamava-se "As meninas Cahen D’Anvers", remetendo ao sobrenome da família, mas mais tarde acabou sendo conhecida mesmo com o título de "Rosa e Azul", as cores predominantes nos vestidos das duas meninas. A riqueza de detalhes, a preocupação com as minúcias, a perfeita integração das meninas com o ambiente, tudo se une para provocar um encanto que vai impregnar nosso olhar. Renoir, tão cansado estava após esse trabalho, que nem mesmo conseguiu imaginar se havia feito algo de bom ou de ruim. Parece que a própria família das meninas, que encomendou o quadro, também não gostou muito do resultado, tanto é que relegou-o à área dos aposentos dos empregados da casa. E, no entanto, hoje é um dos quadros mais famosos do mundo, parte do acervo permanente do MASP desde 1952. Continuando a peregrinação pela exposição, não resisti e acabei vendo todas as obras expostas no segundo piso (248, no total), abrangendo outros temas, como "Virtude e aparência a caminho do moderno", com obras de Rafael, Botticelli, Bellini, Tintoretto, El Greco e outros; "A natureza das coisas", com Picasso, Van Gogh, Matisse e Monet, além de brasileiros como Benedicto Calixto, Guignard, Carlos Prado e Almeida Júnior; e "A arte do mito", com Rafael, Picasso, Poussin e outros. Faltando quinze para as seis tomei o elevador para ir embora, mas aí o ascensorista perguntou se eu não iria ver a exposição Pirelli/Masp de fotografias, exposta no primeiro piso. Fui lá dar só uma olhada, mas cumpri a via sacra toda, percorrendo também todo o andar, só que um pouco mais rápido, porque o museu fechava às seis da tarde. E as fotos que eu vi são simplesmente impressionantes. Contendo desde figurinhas carimbadas como Bob Wolfenson e Vânia Toledo, até nomes que eu desconhecia por completo, como Nani Góis (de Sertanópolis/PR), a coleção é de uma beleza ímpar, traduzindo em imagens fantásticas situações do cotidiano. Há imagens sobre o (precário) atendimento médico na região Norte do país, ou flagrantes de índios, ou propagandas, como do carro Simca Chambord em frente ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ou a Garota de Ipanema, Helô Pinheiro, sentada na praia, de costas para a câmera, num enquadramento perfeito em preto e branco, e por aí vai. Os imensos painéis contendo fotografias de Cubatão, com suas indústrias fumacentas, a estrada para a baixada santista, as paisagens quase inóspitas, em tons extremamente escuros, clicadas pelo Bob Wolfenson, são de tirar o fôlego. Para quem gosta de fotografias, como eu, é uma exposição imperdível. Saí de lá com ânimo renovado, certo que aquela dor nas costas, por ter ficado tanto tempo de pé, valia cada fisgada, ainda que sob intensos protestos da coluna torta. Nos falamos.

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