quinta-feira, 23 de abril de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 29

Hoje lembrei da peça de teatro “Macunaíma”, baseada no famoso livro homônimo do escritor Mário de Andrade (que tinha como subtítulo “o herói sem nenhum caráter”), dirigida pelo Antunes Filho, no velho teatro São Pedro, aqui de São Paulo. Sei que a peça foi um marco na cena teatral brasileira, mas me esqueci da maior parte da encenação. Um dos fragmentos que restou na minha memória é de uma cena em que vários atores, unidos em um bloco, como se formassem uma nau ou caravela (daquelas do descobrimento do Brasil), atravessavam o palco lateralmente, de frente para a platéia, em passinhos laterais, entoando baixinho a marchinha de Lamartine Babo “História do Brasil”, que dizia assim: “Quem foi que inventou o Brasil? Foi seu Cabral! Foi seu Cabral! No dia vinte e um de abril, dois meses depois do carnaval!”. A marchinha é de 1934 e contém uma curiosidade histórica: porque Lamartine atribuiu o descobrimento do Brasil ao dia 21 de abril, e não ao dia 22, como hoje conhecemos? Ontem, pela manhã, no próprio dia 22 de abril, o âncora da rádio CBN Heródoto Barbeiro, ex-professor de história, disse que realmente havia uma controvérsia quanto ao dia do descobrimento, fato que eu desconhecia. Disse ele que em 21 de abril do ano de 1.500 os integrantes da expedição comandada por Pedro Álvares Cabral avistaram vestígios de terra firme, mas que só no dia seguinte é que puderam ver o Monte Pascoal, perto de Porto Seguro, no sul da Bahia, uma prova mais efetiva do descobrimento de novas terras. E aí, com o tempo, convencionou-se que a data comemorativa ficaria para o dia 22, definitivamente. Outra variação de data, mas dessa eu não tenho certeza, é a do nascimento do escritor russo Vladimir Nabokov. No site do Terra é informado que hoje completam 110 anos do nascimento do escritor, portanto em 23 de abril. Em outra pesquisa que fiz encontrei o dia 22. De qualquer forma, continuam sendo 110 anos, ontem ou hoje. E, mais importante do que isso, o que vale é a herança literária que esse notável escritor legou para as futuras gerações de leitores. É claro (para quem o conhece) que a primeira obra que ligamos à simples menção do seu nome é “Lolita”, uma intensa história que tem como pano de fundo uma relação de pedofilia. É a história do professor Humbert Humbert (não estranhem, a grafia do nome é assim mesma, duplicada), que se apaixona por uma menina de 12 anos de idade. Para se aproximar dela o professor casa-se com a mãe da menina. Através de um diário do professor a mãe descobre o sentimento que ele nutria pela menina, mas em seguida ela (a mãe) é atropelada e morre. A partir daí o professor passa a conviver somente com a menina, como enteada (numa relação socialmente aceita), em princípio numa casa e depois em uma longa viagem de carro. O livro foi concluído em 1.953 e, por seu conteúdo polêmico, provocou uma celeuma enorme nos meios literários. Dizem que o próprio escritor tentou destruir as originais do livro, no que foi impedido pela esposa. Sua publicação só ocorreu dois anos depois de concluído, em 1.955, mas primeiro na França, e não nos Estados Unidos, onde o escritor vivia. Vários países proibiram a publicação, e por muito tempo essa foi uma obra considerada escandalosa, de conteúdo imoral, e por isso foi rejeitada sistematicamente. Li esse livro há muito tempo atrás (e bota muito nisso!). E ainda hoje guardo a sensação incômoda que a leitura me provocou. Não é um livro fácil, e por isso mesmo é um livro importante no cenário cultural mundial, sendo um grande representante do que melhor se produziu no século XX. Dois termos de cunho sexual, comuns no nosso vocabulário, se originaram nesse livro: lolita e ninfeta. Ambos significando meninas, menores de idade, precoces ou sexualmente atraentes. Assim como “Macunaíma” ensejou posteriormente a feitura de peça de teatro e filme (este último dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, com o personagem principal primeiro sendo interpretado por Grande Otelo, no nascimento, e depois, adulto, por Paulo José), também “Lolita” acabou sendo filmada, primeiro pelas mãos do excelente diretor Stanley Kubrick (em 1.962) e mais tarde por Adrian Lyne (em 1.997), passando a fascinar, com sua história tensa e ambígua, outro contingente de pessoas pelo mundo afora. “Macunaíma” e “Lolita”. Mário de Andrade e Vladimir Nabokov. Autores, personagens e histórias que cruzam o tempo e permanecem, com a marca indelével da qualidade, integrando e influenciando o tecido cultural. Nos falamos.

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