quinta-feira, 30 de abril de 2009
Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 30
Em sua crônica no Estadão de hoje (30/04), Luis Fernando Veríssimo, fala do “sprit d’escalier”, que significa, nem mais nem menos, o “espírito da escada”. É aquela situação, conhecida pela esmagadora maioria das pessoas, que nos acomete quando somos confrontados por outros, que nos dizem coisas para as quais gostaríamos de estar muitíssimo bem preparados para dar uma resposta fabulosa e definitiva. Uma resposta para não deixar qualquer margem de dúvida, tanto por parte daquele a quem nos dirigimos, quanto para a platéia, caso haja. Sobretudo uma resposta espontânea, rápida e certeira. Mas aí faltam-nos as devidas palavras, o cérebro engasga, e só o que conseguimos dizer é: “Ah, é? Ah, é?” Porque, é claro, não estávamos preparados para aquela circunstância, por não termos um escritor ghost writer para nos assoprar (ou, mais modernamente, pôr num teleprompter invisível) a frase perfeita. De maneira que saímos do local dos fatos, e aí, descendo a escada para a rua é que nos vêm a bendita frase. Mas então o clima já se desfez, e os personagens já não estão mais nas marcas corretas para poderem ouvir a magnífica frase que finalmente nos ocorre. Por isso o “espírito da escada”. Você até pode retroceder na escada e voltar para dizer a sua resposta, mas quem vai estar interessado numa resposta tardia? Aliás, nessa mesma crônica o Veríssimo nos informa sobre um personagem de um antigo programa do Jô Soares, justamente aquele que formulava a tal frase de resposta nos momentos mais inadequados (uma semana depois, um mês depois, esses tempos), dizendo em alto e bom som algo que soava como um disparate para quem estava à sua volta. Personagem este, aliás, que foi criação do próprio Veríssimo. E na crônica ele deu um exemplo: o personagem de repente dispara algo como: “Só se sua mãe for junto!”. Isso dito assim dentro de um ônibus, ou caminhando pelas ruas, ou numa reunião com amigos, sem razão aparente. E aí o personagem contava que um sujeito o tinha mandado tomar banho, mas isso tendo ocorrido dias antes. Na hora o personagem só conseguira dizer o tal: “Ah, é? Ah, é?”. E só conseguia montar uma resposta à altura dias depois, mas tarde demais. Quem não passou por isso na vida? Difícil. Eu me reconheço nessa classe de pessoas - em gênero, número e grau - a imensa e silenciosa massa sem a presença de espírito infalível e veloz, que balbucia respostas insuficientes e inadequadas. Aqueles que falam a frase errada no momento certo, e que, resolutamente, falam a frase certa no momento errado. É fácil identificar um de nós: sempre estamos contando uma historieta na qual dizemos as frases mais fantásticas, para as pessoas certas, nos momentos certos, e seguimos o curso da vida, impávidos colossos, humildemente conscientes tanto da barbárie alheia, quanto da nossa soberba perspicácia. Ou seja, mentimos descaradamente. O chefe disse que temos um cérebro de ervilha? E, ainda por cima, fez isso em inglês? Você nem tem idéia do que respondemos! Quer dizer, você vai ter idéia, sim, mas da frase que bolamos três dias mais tarde, depois que nosso pea brain finalmente engrenou e pensou no que deveríamos ter dito de imediato, evitando a cara de paisagem e a ruga na testa. Alguns de nós, inclusive, desenvolvem um curioso comportamento, a bordo do qual passamos a ter respostas para todas as circunstância espinhosas. Vividas pelos outros, é claro. Para nós mesmos, aí já é outra história. Em geral, mal contada. Podíamos formar um grande grupo, para defendermos nossos interesses, para nos unirmos em torno da nossa inaptividade, para nos ampararmos e, principalmente, para nos consolarmos mutuamente. Nossa bandeira seria o desenho de uma escada voltada para uma porta de saída, com um imenso ponto de interrogação sobre ela, e o nosso lema estampado de uma ponta à outra: “Ah, é? Ah, é?”. Em nossas reuniões trocaríamos experiências, frases, respostas. Assim pelo menos teríamos alguma munição para situações futuras, desde que elas - Deus é grande! - venham a se repetir, para ensejar as tais respostas matadoras. Poderíamos ter uma senha secreta, para só permitir a entrada dos assemelhados. E ela seria, naturalmente, alguma coisa devidamente gaguejada. Isso seria importante para evitarmos a intrusão dos “outros”, aqueles seres, provavelmente oriundos de outro planeta, que sempre têm a resposta certa na ponta da língua. Imagine a cena: a reunião correndo solta, um desses espertinhos entra, olha em volta e desdenha: “Mas o que é isso? A reunião do BBA? Os babacas balbuciantes anônimos?” Isso seguido de uma sonora gargalhada. Provavelmente seria respondido por um grande coro nosso: “Ah, é? Ah, é?” Mas deixa estar, amanhã teremos a resposta certa. Nos aguarde. Nos falamos.
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É verdade! Isso acontece com todo mundo... e ainda ficamos na expectativa de poder usar a frase algum dia rs
ResponderExcluirAh e? Ah e? assim mesmo.....sempre tenho respostas para os outros....mas para mim.....Ah e???
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