quinta-feira, 7 de maio de 2009
Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 31
Nossa língua é realmente danada. É o que eu pensava ao ver a efeméride de hoje. Você sabe o que é efeméride? Em Astrologia significa uma tabela que fornece as coordenadas que definem a posição de um astro. Algo como latitude e longitude, só que no espaço sideral. Mas também significa uma comemoração de um fato auspicioso. Auspicioso? Aí já significa o que promete para o bem, algo de bom augúrio. Augúrio? Um prognóstico (menos mal), ou um presságio. E presságio pode ser uma previsão, um pressentimento, um fato ou sinal que prenuncia o futuro. Mas chega de dicionário. Qual o fato auspicioso que comemoramos hoje? O Dia Nacional do Silêncio. O que pode significar, dependendo do ponto de vista, que todos os outros dias do ano são dias do barulho, já que só esse é do silêncio. Mas acho que barulho não é uma coisa, digamos assim, comemorável. E por outro lado, não houve um certo barulho para divulgar esse tal Dia Nacional do Silêncio, o que acabaria sendo indispensável. Nenhum estardalhaço a esse respeito. Ninguém, que eu saiba, se calou, nem que fosse por alguns instantes, apenas para dar sua contribuição. Não houve nem um minuto de silêncio, como nas partidas de futebol (o que, aliás, é largamente desprezado pelo público dos jogos, que não está nem aí para os motivos desse silêncio prévio; aliás, o que se poderia esperar de quem nem respeita os hinos nacionais – tanto o nosso quanto os dos outros países? Mas isso já é outra história). Na internet, junto com a notícia do Dia Nacional do Silêncio havia uma pesquisa online, perguntando para os internautas se consideravam que falavam mais do que deveriam. Respondi discretamente que sim, e olhei o resultado apurado até aquele momento: dois terços responderam que sim, falam mais do que devem. Grande mea culpa, essa aí. Achei que nem todos se considerariam tagarelas. Sempre brinquei que, na minha família, quando conversamos, um fica na expectativa de que o outro perca o fôlego, para então poder começar a falar. Porque todos falamos demais, nos excedemos. Mas não sei se isso é definitivamente bom ou mau. Acho que depende das circunstâncias. Por exemplo: nos primeiros anos de escola eu conseguia me sobressair nas notas, mas nunca em comportamento. Minha mãe, ao participar dos encontros com os professores, tinha sempre que ouvir que eu era um bom aluno, mas falava demais. De lá para cá as coisas não mudaram muito. Pelo menos não de forma radical. Ainda preciso torcer para que minha irmãzinha perca o fôlego, para que eu possa finalmente participar da conversa. E aí entra a vantagem de escrever: falamos sem que nos interrompam. Só que de uma forma mais silenciosa, sem perturbações auditivas. Paradoxalmente, um escritor é um sujeito (ou, falando de forma politicamente correta: um/a escritor/a é um/a sujeito/a) que, apesar de trabalhar em silêncio (em geral, de maneira solitária e isolada dos demais), produz uma forma de barulho, o qual poderíamos chamar de virtual, palavra que está bem na moda. Eu ia falar “em voga”, mas acho que esse é um termo que não está “em voga”. E falando em escritor: estou lendo “Crime e Castigo”, do Dostoievski. E aí contei para a Fatima uma curiosidade: no livro que escrevi, o personagem principal cita uma passagem de “Crime e Castigo”, um livro que eu não tinha lido até hoje. Ele, o personagem que inventei, cita também a “Montanha mágica”, de Thomas Mann, que eu também não li. Enfim, apenas uma curiosidade. E notei que “Crime e castigo” é de 1.866, algo como 143 anos atrás. Um tempo sem telefones, automóveis, aparelhos de som, rádio, aviões, e toda essa parafernália que nos cerca hoje, e que produz uma quantidade de barulho potencialmente estressante. Por isso me sinto tão bem quando vou nos finais de semana para Jacareí. Além do contato com a natureza, a visão relaxante de árvores, plantas, pássaros e, é claro, da represa, também há a questão fundamental do silêncio. Poder descansar os ouvidos (o otorrinolaringologista do Hospital Cema me disse que hoje tudo é orelha: tanto a parte externa, quanto o órgão de audição propriamente dito, mas ainda não me acostumei com a idéia), e relaxar, escutando apenas o barulho dos grilos e dos pássaros. Donde concluo sobre a importância de curtirmos o silêncio. Ou, como na música cantada pelo Paul Simon: the sound of silence. O som do silêncio. Ora, e não é que o tal Dia Nacional do Silêncio é realmente importante? Eu acho que sim. Pena que seja muito difícil comemorá-lo todos juntos, em um único dia. Fica então a sugestão: vamos pensar um pouco no silêncio, nos benefícios que podemos obter com a ausência do barulho. Vamos dar uma merecida trégua para os nossos pobres ouvidos. Nem que seja por um dia. Nos falamos (baixinho!).
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Adorei o "irmãzinha" e saiba que falo muito até pelos dedos, além de boca e cotovelos, rs...
ResponderExcluirMas acho que tudo que é demais é ruim. Barulho demais incomoda, mas silêncio demais... eu ficaria mais louca ainda!!!
Mas eu não ouvi nada sobre este dia, como vc disse: não houve estardalhaço sobre isso! Vou anotar na agenda para comemorar no ano que vem!
Nos falamos...
Tb não sabia desse dia... aqui no escritório não foi muito respeitado rs
ResponderExcluirTudo ser "orelha" é bem estranho mesmo! =)
Verdade, mas vou poupar as palavras em homenagem ao silêncio...rs
ResponderExcluirIncluo-me nos prolixos, apesar de saber a importância de ouvir.
ResponderExcluirSábios ditos dizem que "em boca fechada...; quando um burro fala, ...; "quem fala o que quer, ..."
A ausência de som, na música, pode ser significativamente importante. O tal breque na bateria de uma escola de samba (haja profusão de sons e ruídos!), mesmo sendo uma pausa ínfima, dá até tempo pra pensar: "será que vão entrar todos bem ao mesmo tempo?"
Ainda bem que existem diversos tipos de tapa-ouvidos!
É isso aí, Mano Beto!