quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 49

Gosto muito de uma das famosas frases do rei do pop-art norte-americano, Andy Warhol (aquele que disse que no futuro todos seriam famosos por quinze minutos e que pintou solenemente uma imagem da lata de sopa Campbell): “Artista é alguém que produz coisas que as pessoas não precisam ter”. É claro que há um pouco de blague nisso, ou talvez apenas uma manipulação inteligente de um jogo de palavras, distorcendo e recriando a realidade que nos cerca. Por outro lado há a música dos Titãs: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. O que queremos é um pouco difuso, havendo possivelmente uma linha tênue separando os campos do que é efetivamente necessário (meios para uma subsistência digna) daquilo que é complementar (às vezes considerado como supérfluo), onde se encaixa a “arte”. Definição de “arte” é como a definição de “crônica”. Uma crônica, como já se disse há muito tempo atrás, é tudo aquilo que consideramos como crônica. Assim é a arte: depois de Duchamp & Cia, arte é tudo aquilo que chamamos de arte. E, para mim, crônica também é arte, independente do meio pelo qual ela é propagada. E eu tenho minhas dúvidas, como expressou Andy Warhol, sobre a produção artística e a sua importância para todos. Mas não o tempo todo, senão não escreveria estas mal traçadas linhas. Toda essa embromação para dizer que falhei na publicação do blog na semana passada, mas o maior perdedor com essa atitude sou eu mesmo, que assumi o compromisso de postar religiosamente, uma vez por semana, meus despretensiosos comentários acerca de qualquer assunto que me desse na telha. Acho que em parte foi o tal do inferno astral, que assola aqueles que estão prestes a fazer aniversário. Ou foi vagabundice da mais pura lavra. Sabe-se lá. Mas, cá estamos. E eu me reporto ao escritor mineiro Luis Ruffato, aclamado pela crítica, de comportamento exótico, como bem convém a um artista de têmpera (não bebe, não dirige, não tem celular, não fotografa, não toma notas), que disse: “Não acredito em inspiração. Penso que quando escrevo estou me dispondo a ser um depositário de alguma memória coletiva”. Não seremos assim todos nós? Ou seja, pensamos que quando escrevemos estamos alinhavando nossos próprios e particulares pensamentos e idéias, mas será que não estamos apenas transcrevendo, ainda que inconscientemente, a memória coletiva? Quanto de exclusivamente “eu mesmo” há no que escrevo? E quanto há de influência de todos os que me cercam? Não tenho a pretensão de escrever “artisticamente”, mas porque será que o texto de vez em quando flui naturalmente, como um mina d’água perdida nos confins dos campos do interior que se avoluma ao longo do seu curso, e se transforma em rio caudaloso, ora poluído, ora purificado, ora remanso, ora corredeira? Talvez seja o efeito da tal memória coletiva. Clarice Lispector dizia: “Eu queria saber o que pretendem de mim os meus livros”. Uma inversão de valores: não era ela que pretendia alguma coisa ao escrever e publicar seus livros; ela tinha a curiosidade de saber o que os livros pretendiam dela, numa escala sutil de quase insanidade. Afinal, porque escrevemos? Porque essa ânsia pela exposição através da escrita? Que, aliás, com o advento de todas essas novas mídias (blogs, twitter, msn, orkut, facebook, etc.) voltou a entrar na moda de uma forma avassaladora. Todos querem, de alguma maneira, ter um espaço seu para expor seus pensamentos, seus conhecimentos, ou, às vezes, a completa ausência tanto de uma coisa quanto de outra. Repetem-se hábitos e tradições antigas, só que vertidas através de uma tecnologia atualizada (e de alcance infinitamente maior). Clarice disse também (para José Castello): “Nada tenho a ensinar. Também não quero aprender, quero desaprender”. E, para isso, ela se esvaía na escrita, sangrando a alma no ajuntamento especialíssimo das suas próprias palavras. Como se expiasse culpas acumuladas desde seus antepassados na Hungria da época da segunda guerra mundial (diz uma biografia recente que a mãe dela foi estuprada por soldados nazistas, e que ela engravidou da Clarice como forma de “limpar” seu organismo, porque havia uma crença nesse sentido, disseminada entre seu povo; e dessa redenção – e dessa culpa – ela nasceu). Mas tudo isso é elucubração desmesurada. Vamos tocar a vida e escrever, porque a gente não quer só comida. Nos falamos.

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