quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Artigo Indefinido – Ano 1 – Nº 18
Eu sei que literatura não é lá dos assuntos mais palpitantes para a maioria da população, mas para mim representa o nirvana (não aquele do Kurt Cobain, claro!), o refúgio seguro onde posso encontrar outras culturas, onde posso encontrar a minha própria cultura, onde posso desvendar os infindáveis mistérios da mente humana, onde posso encontrar um outro qualquer que habita sorrateiramente em mim, onde posso me enxergar por trás das máscaras que eu mesmo construí ao longo dos anos. Posso olhar para um livro e enxergar um espelho, às vezes de imagens retorcidas, às vezes de imagens cristalinas e límpidas, às vezes apavorante por expor o avesso da realidade. Por toda essa importância que eu dou à literatura e, por extensão, à educação, é que sinto pena por sermos governados por um presidente que diz que não lê jornais, porque isso lhe dá azia. Também não se vê um livro nas suas mãos, nem tampouco temos conhecimento de algum livro que repouse na cabeceira da sua cama. Pena que ele seja um exemplo de pessoa que não estudou formalmente, não se instruiu pelos caminhos tradicionais. E sinto mais pena ainda quando ouço alguém se vangloriar dessa circunstância. “Ah, ele é formado pela faculdade da vida!”. Essa expressão em geral está atrelada a alguém que justifica sua própria falta de estudos, pela comparação rasa e esgarçada com “alguém que chegou lá”. Pena que muita gente, principalmente neste país, considere que ler é um esforço, quando ler deve ser, antes de tudo, um prazer. Deve ser um desprendimento, deve ser uma janela para ampliar nossa visão do mundo, um buraco para enxergarmos outras dimensões. E ler é a base da educação. Não vejo país que seja desenvolvido e adiantado, que não tenha passado por um processo exaustivo de evolução educacional. Na década de 1960 o Brasil estava bem na foto quando comparado, por exemplo, com a Coréia do Sul. Nossos indicadores sócio-econômicos eram melhores do que os deles. Bem melhores. De lá para cá a Coréia do Sul empreendeu uma dura e longa batalha para galgar penosamente os degraus que conduzem um país para patamares sociais mais altos. Ou seja, investiu pesadamente em educação. Mas não por cinco ou dez anos; ou por um ou dois mandatos presidenciais. Investiu por vinte, trinta anos consecutivos. Hoje o Brasil perdeu a Coréia do Sul de vista. Ficamos na poeira da estrada, observando enquanto ela se distanciava à nossa frente. Os indicadores sócio-econômicos da década de 1960 viraram de pernas para o ar. Hoje estamos assim: há um ranking das 100 melhores escolas de MBA do mundo, que começou a ser elaborada há cerca de 10 anos atrás. No topo da lista está Wharton, nos Estados Unidos, empatada com a LBS, London Business School, da Inglaterra, esta última pela primeira vez em primeiro lugar. Dos vários critérios adotados para apurar a posição de uma escola nesse ranking, até mesmo o montante anual de salário que um aluno recebe depois de formado é analisado. Porque não basta um currículo exemplar: o estudo tem que ter resultados práticos. Você sabe quantas escolas brasileiras estão nessa lista? Apenas uma, em 92º lugar: Copead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que não é uma estreante; está na lista pela sétima vez em dez anos. Mas é só, em termos de Brasil. E toda essa consideração sobre literatura (e educação) porque eu queria falar sobre os autores japoneses. Acabei de ler “Coração” (“Kokoro”), de Natsume Soseki, um autor da Era Meiji (que se encerrou em 1912, com a morte do Imperador de mesmo nome). Soseki morreu em 1916, e é um autor tão importante para os japoneses que teve seu rosto estampado nas notas de 1.000 ienes (até 2004, se eu não me engano). Anteriormente, e há pouco tempo atrás, li Junichiro Tanizaki (“Amor insensato”, “Diário de um velho louco”), Yasunari Kawabata (“A casa das belas adormecidas”, “Kioto”, “Mil tsurus”), Kenzaburo Oe (“Uma questão pessoal”) e Yukio Mishima (“Confissões de uma máscara”). Kawabata e Oe foram premiados com o Nobel de Literatura (em 1968 e em 1994, respectivamente), prêmio este que até pode ser questionado (principalmente levando-se em consideração aqueles autores que não foram agraciados), mas não desprezado. E o que se pode encontrar na literatura japonesa? Muitas coisas: histórias densas, narradas formalmente, tecidas de forma laboriosa e absolutamente complexas na sua simplicidade. Histórias que encantam em silêncio e harmonia, como se os autores construíssem colméias literárias, a partir da junção de inúmeros alvéolos dourados, todos da mesma forma e tamanho, de uma maneira minimalista e surpreendente. Mesmo sem descrições muito detalhadas, enxergamos os andares macios, os rostos ruborizados, os quartos residenciais medidos por números de tatames, as cerimônias do chá, as mesuras silenciosas, a cultura altaneira e opressiva, os rituais sagrados ou profanos. Tudo isso através dos livros. E isso é pouco? Sayonará! Nos falamos.
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Só li um livro da literatura japonesa ("Mil tsurus") e ele é do jeito que vc descreveu!
ResponderExcluirAlém de sentir pena do nosso presidente "graduado pela vida", também sinto pena das pessoas que não apreciam um livro, um jornal, uma revista etc, leio até as propagandas!
Ah! Vc lembrou do Kurt Cobain! =)
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